Terça-feira, 9 de Outubro de 2007
Não subsisti à provocação de descrever o meu dia de ontem… Ainda cedo fui levar a minha filha ao colégio, não aguardei pelo meu marido porque já estávamos atrasadas. Fui ter com ele ao café para tomarmos o pequeno-almoço. A empregada era nova, não sabia como gostava do pequeno-almoço. A torrada estava queimada e a meia de leite quente. Calei-me. Paciência, no dia seguinte seria melhor. Despedi-me do meu marido e deslocamo-nos ao nosso local de trabalho. Um pai reclama do filho, um filho protesta com o pai, a mãe contradiz o pai, a filha refuta a mãe, o pai opõe-se à mãe. Mas afinal quem tem razão? Fico calada. Não me compete a mim dar opiniões. Lá se passou a minha manhã de trabalho. Vou buscar a minha filha para almoçar comigo. - Mãe o aparelho dos dentes partiu-se. - Como? Sabes quanto custou o aparelho? - Sei mãe. Mas aconteceu. Desculpa. Calei-me, realmente pode suceder a qualquer um. Vou levá-la ao colégio. Que fixe ainda tenho tempo de ir ao café ler um bocadinho da Artemisa. Toca o telefone. - Podes ir ter comigo ao café, tenho o esboço de um projecto que me pediram para dares uma vista de olhos. - Ok. Só tenho meia hora. Era o meu marido. Lá se foi a leitura. - Mas isto está uma merda, disse eu. - Não seja assim? É de um jovem que terminou o curso. Está no início da vida profissional. - Claro. Calei-me, tinha que compreender. Afinal estava a estrear-se. Não podemos exigir muito. Retorno ao trabalho. Recebo um convite da loja de roupa que mais gosto a comunicar o início dos descontos. Fixe! Apetece-me mesmo ir comprar roupa. Amanha até é dia de night, assim levo roupa nova! Depois de jantar vou às compras. - Sabe que eu bati-lhe mas foi sem querer e ele também estava a desafiar-me. Veja só! Era preciso a tia dizer para quando a mãe lhe voltasse a bater, chamasse a policia. Calei-me. Quem teria culpa? Não me cabia a mim estimar responsabilidades. Assim continuou a tarde. Chego a casa. Home sweet home. Ponho o CD do Mika que é engraçado. Tenho meia hora para distender as pernas, no sofá. Pouso a pasta e a carteira e deito-me. Toca a campainha, era a mãe da amiga da minha filha, mas ainda não tinham chegado. Deito-me novamente. Volta a tocar a campainha, era a minha filha e a amiga. Deito-me repetidamente. Toca, de novo, a campainha. Era a mãe da amiga. Volto a deitar-me. Volta a tocar a campainha, era o promotor da ONI. Desisto, vou tomar um banho. Volta a tocar a campainha, era o meu filho. – Então? disseste que não vinhas jantar! – Mas vim, tinha que terminar um trabalho de grupo para apresentar amanha. O grupo é de 4 mas só eu é que estava na faculdade, estou com uma cabeça. Faço em casa. - Mãe, o carro, hoje não pegou duas vezes. – Como? Então ainda a semana passada fez a revisão! – Pois, mas que queres, não sei. Calei-me. Claro que ele não sabia. Pode ocorrer a qualquer um. Já não vou tomar banho. Vou fazer o jantar. Era polvo, como o meu filho não vinha jantar e ele não gosta tinha destinado fazer arroz de polvo. Que grande maçada! O que vai ele comer? Calo-me e vou fazer um bife porque afinal ele não tem culpa. Outra vez o som irritante da campainha. Era o meu marido. Entra extenuado. – Não sabes o que nos aconteceu! – Então? – Uma grua deixou cair uma máquina a 3 metros de altura e a transportadora não tem seguro. – Mas isso é problema da transportadora. – Pois é, mas os incómodos são nossos. A máquina tinha que ser montada hoje. Calei-me. Claro que os incómodos eram muitos. Foram todos tomar um banho, fiquei na cozinha a terminar o jantar. Vieram, tranquilos, puseram a mesa e sentaram-se a jantar, cada um a esclarecer os seus problemas mas alegres porque desafogavam os seus azares. A minha filha com o seu sentido de humor apurado disse; - Sabem qual é o cúmulo da sorte? Ganhar o euromilhões duas vezes como aconteceu nas duas ultimas semanas. Jantei, não tive paciência para ir às compras. Perguntaram-me porque estava tão calada. Retorqui que estava cansada e fui acomodar as minhas coisas enquanto o meu marido foi finalizar um relatório, o meu filho concluir o trabalho e a minha filha estudar para o teste que tinha no dia seguinte. Fui ligar as máquinas porque eram 11h e a luz é mais barata depois das onze. Deitei-me, vi que as luzes estavam todas acesas. - Meninos, apaguem as luzes, sabem quanto pagamos à EDP? - Mãe o monitor do meu computador tem uns pixeis mortos. - Como? Sabes quanto custou o portátil, Tem seis meses. - Que queres mãe? Não fui eu que os matei. Calei-me. Claro que não era culpa dele, ainda mais que a piada veio a calhar. As luzes permaneceram acesas por algum tempo, até se deitarem. Não sem antes virem ao meu quarto, tirarem-me o livro que estava a ler e dizerem: - Muchaaaaaaaaa à mãe, caindo em cima de mim. Eu só queria ir às compras, situação invulgar em mim e que se tivesse exclamado essa vontade à minha família diria que estava mesmo "doente" mas iriam a correr comigo. Como diz a minha filha, ainda estou para saber como é a minha mãe a comprar roupa. Mas não era desta. Todos tinham tarefas para entregar no dia seguinte. Alguém me traria a roupa para escolher, como sempre. Apeteceu-me gritar para que toda a gente ouvisse que não tenho obrigação de ouvir os problemas de toda a gente quando ninguém ouve os meus. Calei-me. Ninguém tem culpa da vida profissional e pessoal que escolhi e os três vieram divertidos dar-me as boas noites. Que podia dizer? Nada. Calei-me. - Amor, vira-te para mim. - Sexo? Hoje? Não, obrigada.
sinto-me: